Hospital FAA en Haití
Série Missão Haiti 2007
4 - O Hospital Militar da
Força Aérea Argentina
Kaiser Konrad
Enviado especial ao Haiti
O Exército Brasileiro confirmou nessa semana a intenção de enviar à missão de paz no Sudão o seu hospital militar. Essa será a primeira vez que o Brasil participa de uma missão das Nações Unidas com uma unidade médica de campanha.
Defesa @ Net - Segundo fontes de Defesa@Net, o Hospital Militar do Exército Brasileiro deve chegar ao Sudão até o final deste ano e será instalado na cidade de Nyala, em Darfur
Sabendo com antecedência que o país enviaria tropas de saúde à África, Defesa@Net esteve na única unidade hospitalar de campanha em operação no continente.
O Hospital Militar da Força Aérea Argentina é a unidade médica de campanha mais conhecida da América Latina. Já esteve em operação em Moçambique e Kosovo e agora opera em Porto Príncipe, Haiti.
O Tenente-coronel médico Eduardo Funes é o diretor do hospital. Já integrou a missão de paz em Moçambique e tem larga experiência em medicina de guerra, uma das especialidades médicas mais importantes e difíceis de exercer.
Acompanhe a entrevista exclusiva com Dr. Funes:
Defesa@Net: Esse hospital é de nível 2, o que significa essa designação dos hospitais de campanha?
Dr. Funes - Nosso hospital militar é de nível 2, o tipo mais usado em missões de paz. Os de nível 1 são conhecidos como ambulatórios e estão presentes dentro de cada unidade militar, aqui no Haiti existem vários*. O hospital de nível 3 só há em Santo Domingo, na República Dominicana. É para lá que evacuamos casos graves onde o tratamento é mais complexo, necessitando de equipamentos para diagnósticos mais sensíveis e modernos, como tomógrafos. A diferença entre os níveis não é profissional, mas de equipagens disponíveis.
*Nota Defesa@Net - O mais importante hospital de nível 1 em operação no Haiti encontra-se na Cia de Engenharia de Força de Paz do Brasil. A unidade é comandada pelo Major Mendonça, que também possui experiência em medicina de guerra, esteve na missão de paz em Angola.
Defesa@Net: Quantas consultas são realizadas por dia?
Dr. Funes - Em média, a cada dia realizamos 30 consultas médicas e 20 odontológicas. Aqui, atendemos militares, servidores civis da Minustah e também a população haitiana. Podemos internar 20 pessoas com possibilidade de aumentar esse número a 50, se for necessário.
Defesa@Net: Há capacidade de se realizarem cirurgias?
Dr. Funes - Sim, aqui temos capacidade de realizar até duas cirurgias simultâneas. Estivemos na missão de paz em Moçambique. Lá, devido ao alto número de acidentes com minas terrestres tínhamos que realizar mais de uma intervenção cirúrgica ao mesmo tempo. Aqui, contamos com duas equipes independentes. São dois anestesistas, médicos, enfermeiros e duas camas preparadas para esse tipo de atendimento de emergência. Também, possuímos monitores multi-paramétricos e equipamentos necessários para realizarmos inclusive, pequenas neurocirurgias.
Defesa@Net: De onde vem o sangue que é utilizado nas transfusões?
Dr. Funes - O sangue é fornecido a cada trinta dias pelas Nações Unidas, que possui em estoque e distribui entre as missões em andamento. Temos todos os tipos disponíveis e se não forem usados em um mês, serão incinerados obedecendo normas internacionais. É importante ressaltar que um hospital de campanha obedece às mesmas leis de qualquer hospital. O cuidado para evitar a contaminação do solo e da água com resíduos humanos e hospitalares deve ser assegurado.
Defesa@Net: E o instrumental cirúrgico?
Dr. Funes - Neste hospital temos quatro instrumentadoras que preparam todo o material necessário às cirurgias. É importante manter todos os instrumentos esterilizados para dar mais segurança aos pacientes. Para isso utilizamos estufas e autoclaves especiais.
Defesa@Net: Fale-nos da "Medicina de Guerra"?
Dr. Funes - Estive em 1992/93 trabalhando em nosso hospital de campanha em Moçambique. Sou cirurgião e minha especialização é em medicina de guerra. O que a maioria dos médicos só viu em livros era minha realidade. Eu realizava atendimentos diários de vítimas de armas de fogo e minas terrestres, que causavam sérias mutilações. Na época não tínhamos disponível um banco de sangue, então, sempre que um paciente necessitava de uma transfusão, tirávamos o sangue de nós mesmos para passar a eles.
É na portaria do hospital argentino que acontece o momento de maior interação entre os soldados. Militares da Guatemala, Jordânia, Nepal, Argentina, Uruguai e Brasil unidos pela solidariedade. Ao fundo viatura jordaniana com metralhadora .50.
Defesa@Net: Quais as patologias mais comuns no Haiti?
Dr. Funes - Aqui temos realizado muitos tratamentos de doenças infecto-contagiosas, principalmente de dengue e malária. Doenças venéreas são poucos casos porque hoje em dia a educação sexual está bem avançada na maioria dos países. O maior número de atendimentos de soldados da Minustah é decorrente de transtornos psicológicos, e para isso não estamos preparados. Nenhum hospital de campanha é destinado ao tratamento desse tipo de patologia. É importante que os hospitais de nível 1 mantenham psicólogos para atender seus soldados.
Defesa@Net: Qual é o efetivo do Hospital?
Dr. Funes - Nosso efetivo total é de 58 pessoas. Parte são militares da Força Aérea Argentina, os demais são civis. Com a experiência adquirida na África, hoje 70 % do pessoal que integra nosso hospital são mulheres. Com exceção do diretor médico, que fica um ano, todos os demais permanecem seis meses no Haiti.
Defesa@Net: Hospital de campanha, uma unidade militar independente?
Dr. Funes - O Hospital Militar da Força Aérea Argentina tem capacidade de se manter independente de quaisquer meios externos, eletricidade, alimentação, medicamentos, refrigeração e água.
Defesa@Net: Resgate e helicópteros
Dr. Funes - Uma de nossas missões é fazer o resgate de poli-traumatizados no local do acidente. Para isso, temos sempre preparada uma equipe formada por um médico e dois enfermeiros. Através de helicópteros e ambulâncias, se deslocam ao local do acidente e realizam os primeiros socorros, resgate e evacuação até o hospital. É muito importante para um país que mantém em operação um hospital de campanha possuir também um esquadrão de helicópteros para transporte e evacuação aeromédica. Na África, havia helicópteros russos e nem sempre os pilotos falavam o inglês. Aqui no Haiti, as forças aéreas argentina e chilena operam esquadrões de helicópteros, e suas bases estão bem aqui à frente.
Defesa@Net: Sendo um dos maiores especialistas da América Latina na área de medicina de guerra, que conselho você dá ao Brasil, que vai enviar seu hospital ao Sudão?
Dr. Funes - Na missão de paz do Sudão, sendo Capítulo 7 (Imposição de Paz), necessita-se de um hospital de nível 2. Na minha opinião, o mais importante é a rigorosa seleção do pessoal. Será importante que os médicos que irão para lá realizem um estudo sobre as principais enfermidades que atingem a região onde a tropa operará. Não adianta levar um médico generalista ou outro que não têm especialidade no tratamento de poli-traumatizados. O verdadeiro diferencial está na qualidade do profissional. Eu sou cirurgião e tenho quatro especializações. Medicina de Guerra é para os melhores e os mais bem preparados.
fuente : Defesa@Net