A nomeação do novo comandante da Marinha ressuscita um antigo projeto
de US$ 9 bilhões
Por Joaquim Castanheira e Octávio Costa
Há alguns dias, no evento de sua posse, o novo comandante da Marinha,
Júlio Soares Moura Neto, dedicou boa parte de seu discurso à situação
de penúria das Forças Armadas no Brasil. Apenas umas poucas linhas,
discretamente inseridas no texto, foram dedicadas a um assunto que
tomará proporções transatlânticas em um futuro próximo. Nelas, Moura
Neto confirmou a retomada do projeto para fabricação do primeiro
submarino nuclear do País, um dos mais polêmicos e delicados temas da
história recente do País, seja dentro ou fora dos gabinetes militares
de Brasília. A própria nomeação de Moura Neto representa, na avaliação
de especialistas, um claro sinal de apoio do Palácio do Planalto ao
projeto e, de certa forma, uma intervenção em uma luta nos bastidores
da Marinha. Havia duas correntes de pensamento sobre o futuro daquela
arma. Uma delas defende a recuperação da atual frota de cinco
submarinos convencionais do Brasil e a compra de outras quatro
embarcações. Outro grupo não concordava: o País, segundo eles, deveria
centrar seus esforços na construção de um submarino de propulsão
nuclear. Parte do trabalho, aliás, está pronta. Iniciado em 1979, o
programa já domina o ciclo de combustível e encontra-se a poucos
passos da conclusão do reator nuclear. Ao longo dos dois governos de
Fernando Henrique Cardoso e no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da
Silva, a turma dos "convencionais", como foram ironicamente chamados,
prevaleceu. A chegada de Moura Neto ao comando muda o cenário. O
almirante é um representante da ala nuclear.
ABR
De uma forma ou de outra, trata-se de negócio bilionário. Cada
submarino convencional custa de US$ 1,6 bilhão a US$ 1,8 bilhão. O
desenvolvimento do casco para um modelo nuclear consumiria pelo menos
outros US$ 2 bilhões. A dinheirama, porém, não seria um empecilho. No
discurso, Moura Neto deu a pista. "A maior parte dos recursos
provenientes da geração dos "royalties" do petróleo não vem sendo
repassada à MB, como determina a lei de sua criação", disse ele.
Calcula-se que seja coisa de R$ 3 bilhões. Mais: pelo teor do
pronunciamento de Moura Neto, fica claro que o Palácio do Planalto deu
luz verde para investimentos de modernização nas Forças Armadas. O
raciocínio também vale para o discurso de posse do novo comandante da
Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito, feito no mesmo dia 1º de março,
reabrindo a discussão sobre a compra de caças para a Força Aérea.
Houve um cuidadoso trabalho para convencer Lula de que a retomada dos
projetos tinha cores estratégicas.
À frente dessa tarefa estavam homens de confiança do presidente, como
Celso Amorim, Marco Aurélio Garcia e Waldir Pires. Os argumentos eram
fortes. O mundo, disseram eles, mergulhou numa corrida armamentista
sem precedentes desde o final da Guerra Fria. A China anunciou um
aumento de 18% em seus gastos militares. Nos dois últimos anos, a
Venezuela encomendou à Rússia US$ 4,3 bilhões em caças, helicópteros e
fuzis. O Paquistão compra anualmente US$ 3 bilhões em armas. O Brasil
está ficando para trás. Nos encontros com o presidente, os ministros
removeram um outro obstáculo do submarino nuclear: a possível reação
dos EUA em relação ao projeto. Afinal, argumentaram eles, as relações
entre os dois países encontram-se num nível muito bom. Além disso, o
governo de George W. Bush poderia ver o reaparelhamento militar
brasileiro como um contraponto à crescente liderança de Hugo Chávez na
América Latina.
Nas discussões, Lula e seus ministros chegaram a uma fórmula para
acomodar as duas correntes internas da Marinha. Sim, a recuperação e
ampliação da frota de submarinos convencionais seria levada em frente,
mas as empresas responsáveis pelo trabalho deveriam garantir como
contrapartida o chamado off set, a transferência de tecnologia para a
construção de um modelo nuclear. A partir daí, deu-se início a uma
intensa guerra entre os possíveis fornecedores do submarino nuclear. O
favorito era a alemã HDW, um braço do Thyssen, fabricante dos cinco
submarinos adquiridos pelo Brasil a partir de 1979. Mas, com a derrota
na II Guerra Mundial, os alemães ficaram proibidos de fabricar esse
tipo de submarino. Assim, entraram no páreo dois fortes concorrentes:
os franceses da DCN, estatal francesa com participação do grupo
Thales, e o GRTsAS, sigla para Centro Estatal Russo para Construção de
Navios Nucleares. Enfim, está tudo armado para que uma longa e
milionária batalha de lobby tome conta da Esplanada dos Ministérios e
dos corredores do Congresso Nacional.