Isto É Dinheiro:
Uma ponte com a França
Lula se encontra com Nicolas Sarkozy para construir uma ligação com a Guiana, mas, enquanto o Brasil quer uma aliança militar, os franceses tentam conter os garimpeiros nacionais
GUSTAVO GANTOIS
Foi notável o contraste exibido entre os presidentes Lula e Nicolas Sarkozy no terceiro encontro que tiveram, na terçafeira 12, na Guiana Francesa. Não só pela indumentária – Lula de guayabera caribenha e Sarkozy num terno escuro –, mas também pelos objetivos. A rigor, os dois prostraram-se lado a lado para anunciar a retomada de um projeto antigo, o da construção de uma ponte sobre o rio Oiapoque, ligando Macapá a Caiena, orçada em R$ 40 milhões. Mas o que ficou mais evidente foram os interesses por trás da foto. Enquanto o lado brasileiro enfatizava a aliança estratégica na área militar, os franceses estavam preocupados em conter a invasão de seu departamento ultramarino por garimpeiros do Brasil. Um duro passo a ser dado. Ao desembarcar em Saint-Georges-de-l'Oyapock, Lula foi recebido pela população local com mais entusiasmo que Sarkozy. Uma análise demográfica explica o quadro: cerca de 70% da população da cidade é composta por brasileiros, quadro que se espalha pelo restante da Guiana onde, de 200 mil habitantes, estima-se que 30% sejam imigrantes de cá. E grande parte está ligada à extração ilegal de ouro.
Estimulados pelo padrão de vida dos vizinhos – o salário mínimo francês é de 1,1 mil euros mensais – garimpeiros brasileiros têm, nas palavras da comitiva francesa, saqueado o território da Guiana. Ainda que tenham razão, as condições em que vivem por lá são desumanas. Ao contrário dos guianeses, eles são os únicos que aceitam trabalhar pesado, em situação de risco e ganhando pouco, mas em euros. O Itamaraty sabe do problema. “A agenda fronteiriça é complicada”, admite Ricardo Guerra de Araújo, diretor do Departamento de Europa do Ministério das Relações Exteriores. “Conhecemos os problemas e mantemos contato permanente com a França para solucioná-los.” Ao que tudo indica, contudo, os franceses não estão dispostos a continuar a aceitar os ilegais. Em seu discurso, Sarkozy chegou a afirmar que o desenvolvimento da Guiana passa pelo Brasil, e que não se oporia a projetos de integração. Não foi o que se viu na sua chegada a Caiena, no dia anterior ao encontro. “O território da Guiana não será violado”, rugiu Sarkozy ao anunciar a Operação Anaconda, que escalou o Exército e reforços da França continental contra os garimpeiros ilegais. “Se alguns irredutíveis não entenderam que a Guiana é França e que a França se faz respeitar, faremos com que entendam”, completou o presidente.
ANTIGO PROJETO SOBRE O RIO OIAPOQUE DEVE CUSTAR AOS COFRES PÚBLICOS CERCA DE R$ 40 MILHÕES
Mas, se nos bastidores os franceses ameaçam retaliar o Brasil, diante das câmeras Sarkozy tem exibido um sorriso raro em tempos de crise interna causada pelo não cumprimento das promessas de campanha. Após o encontro com Lula, a França praticamente sacramentou a “aliança estratégica” desenhada pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, em viagem a Paris, há três semanas. Nicolas Sarkozy se comprometeu a construir no Brasil um submarino Scorpéne, fabricado pelos estaleiros da Direction des Constructions Navales Services, nos quais o grupo Thales detém uma participação de 25%. Essas empresas foram visitadas por Jobim. “Fazemos questão que a parceria não seja só entrega de material militar”, disse Sarkozy. “Estamos dispostos a transferir tecnologia para que os submarinos, caças e helicópteros sejam fabricados no Brasil”. Foi essa garantia que selou o destino dos russos no projeto de reequipamento das Forças Armadas brasileiras. Ao se negar a repassar a tecnologia e cobrar mais caro pelos equipamentos, a Rússia praticamente perdeu um mercado de US$ 20 bilhões. E não foram só eles. A Fundação Jamestown, do vice-presidente americano Dick Cheney, divulgou com estardalhaço que Moscou perdeu o negócio para a França. E completou: “Os derrotados parecem ser os Estados Unidos.” Sinal de que a aproximação entre Brasil e França já causa barulho.